Não tente entender, vale mais a pena

On 28 de novembro de 2012 by Max Valarezo

Você lê uma frase; vê um vídeo; ouve uma música; e então sente tudo ao redor perder importância: só aquilo que te prendeu a atenção existe, te eleva e extasia – e a isso se dá o nome de sublime. E tudo fica mais interessante se você inclui aí um mistério. Quantas vezes vocês você não se pegou olhando um quadro e imaginando o que raios poderia estar acontecendo na cena retratada? Que centenas de histórias você não criou, para tentar dar algum sentido àquilo?

Esse tipo de intriga que perdura ainda é, pra mim, uma das melhores coisas que se pode sentir quando a gente se depara com uma obra.

Pra você, qual é a história nessa imagem?

Ver um fragmento de história se desenrolar sem você saber o que realmente está acontecendo dá muita agonia. A gente quer saber tudo, quer conhecer os personagens, saber o que os motiva, por que aquele mago está parado na floresta ou por que cem pessoas fogem desesperadas de uma montanha. Era esse tipo de agonia que eu sentia quando era pequeno e passava na MTV o clipe de Digital Love, do Daft Punk. Um astronauta de pele azul que repentinamente começa a seguir uma nave com alguma espécie de vilão dentro dela, maldosamente satisfeito por ter posse de outros seres de pele azul dormindo em esquifes tecnológicas.

O quê?

O mesmo se aplica ao vídeo de Feel Good Inc., do Gorillaz. Por que a banda tá presa com um monte de corpos em uma torre altíssima? Por que a japinha tá sozinha, separada deles, em uma espécie de ilha flutuante e sendo perseguida por helicópteros? O que acontece com todo mundo? Aliás, acho que dá pra dizer que esse sentimento de confusão sobre a história do clipe pode ser aplicada em muitos outros vídeos da banda.

Depois de um tempo, acabei descobrindo que aquele clipe que citei antes, o do Daft Punk, faz parte de um longa-metragem em animação que conta uma história completa: Interstella 5555. Basicamente, cada música do disco Discovery, da dupla francesa, ganhou um clipe que, quando tocados juntos, compõem o filme. A princípio, achei ótimo, finalmente poderia entender o que se passava no vídeo que me intrigava quando era pequeno.

Mas acontece que eu ainda não assisti, por conta de uma dúvida: será que vale a pena? O receio de ver a história e descobrir que ela é muito mais sem graça do que eu imaginava seria uma grande decepção. Imagina, descobrir que todas as variações de enredo que eu criei para os personagens azuis não têm absolutamente nada a ver com o que é retratado no filme!

De forma semelhante, a princípio fico agoniado ao não saber o que está sendo retratado na arte do Kilian Eng ou do Roger Dean, artista responsável por várias capas dos discos da banda Yes. Mas depois vejo que é muito mais interessante apreciar o mistério da coisa toda: aquilo que instiga cativa mais do que aquilo que esclarece, nesses casos.

Capa do disco “Relayer”, do Yes, por Roger Dean

E se tem alguém que soube explorar bem o fascínio do não-explicado foi o mestre da literatura de ficção científica Arthur C. Clarke no livro Encontro com Rama. Nele, uma equipe espacial desbrava uma gigantesca espaçonave cilíndrica, aparentemente deserta. Passamos o livro inteiro acompanhando as descobertas dos cientistas, vamos entendendo aos poucos o que é essa construção magnífica, e ficamos o tempo todo encantados com aquilo que ainda não foi revelado. Descobre-se um aparato perigoso, mas não se sabe bem o porquê de ele estar lá, por exemplo. Quando terminei o livro, me vi confuso, pois percebe-se que muito foi descoberto pelos personagens, mas ainda restam tantas dúvidas que não tem como se sentir com plena ciência do que acontece na nave. Sobraram perguntas que aparentemente, são respondidas em outros livros que formam a sequência da história. Mas será que eu leio esses outros volumes?

Às vezes, vale muito mais a pena deixar que nosso devaneio não seja estreitado pelo real significado da fantasia que vemos.

Galeria para se intrigar (clique nas imagens para vê-las melhor)

Por Kilian Eng

Por Kilian Eng

Por Roger Dean

Por Roger Dean

Por Moebius

“Our Grasp of Heaven”, por Noah Bradley

“For All That Could Have Been”, por Noah Bradley

Por Hjalmar Wahlin

Por Philip Straub

 

Por Patrik Hjelm

Para mais imagens, sugiro visitar CatFromWondeland, Fuck Yeah Illustrative Art e FUCK YEAH CONCEPT ART

One Response to “Não tente entender, vale mais a pena”

  • Jeh

    A crítica literária sugere que o autor não tem mais “autonomia” sobre o que escreve, Isto é, a intenção do autor não é mais tão forte quanto o pressuposto pelo leitor. Lembro que saiu um boato há uns meses atrás de que, em Harry Potter, tudo não passaria de longos devaneios de um garoto normal. Foi chocante. Porém, não demorou a sair uma errata da tradução feita do discurso da J.K Rowling – era um equívoco, muito sério, por sinal. Ok, tranquilidade aos fãs. Ainda assim, se isso fosse verdade, eu me recusaria a acreditar. Viveria presa àquele mundo magnífico de Hogwarts. Enfim, bom texto. Parabéns! Ah, e assista Interstella 5555. É só o resgate de uma banda pop, mas é bom 🙂

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