Edições (não muito) fantásticas
Não é a brutalidade da guerra, nem as traições, a honra ou a bravura. Nem mesmo dragões. Não é sobre nada disso que fico pensando quando leio a série As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin. Ontem mesmo terminei de ler o segundo volume, A Fúria dos Reis, por exemplo, e mais uma vez me peguei pensando sobre o tema que mais tem me incomodado desde que comecei a ler a saga: as condições de publicação dela aqui no Brasil.
Direto aos fatos.
O primeiro volume da série, A Game of Thrones, foi publicado lá nos Estados Unidos pela primeira vez em 1996. A princípio, o livro não foi um sucesso de vendas, nem conseguiu entrar nas principais listas dos mais vendidos. Mas, com o tempo, a divulgação boca-a-boca fez um excelente trabalho e fez com que os livros seguintes vendessem muitíssimo bem, tornando a série um verdadeiro fenômeno nos EUA e também na Europa. Até hoje, a saga figura facilmente nas listas de melhores livros de fantasia de todos os tempos.
A série permaneceu sem publicação no Brasil até 2010, quando a Editora LeYa resolveu trazer As Crônicas de Gelo e Fogo, justamente alguns meses antes da HBO estrear sua série de televisão multimilionária, Game of Thrones. Olha que feliz coincidência.
Aham.
A verdade é que o grande responsável por fazer com que a LeYa trouxesse a série de Martin para as terras brasileiras foi Raphael Draccon, escritor nacional de literatura fantástica e peça-chave dentro da empresa. Basicamente, ele aproveitou o prestígio que havia adquirido dentro da LeYa, que estava prestes a publicar sua série Dragões de Éter, para convencer os executivos a trazer para cá a saga que se passa em Westeros. Essa história toda quem mesmo conta é o próprio Raphael em um post dele publicado no Sedentário & Hiperativo. Sabendo disso tudo desde que comecei a ler A Guerra dos Tronos, fiquei um pouco incomodado com um pensamento:
Toda a suposta qualidade e prestígio de que a série As Crônicas de Gelo e Fogo tem gozado há 16 anos na gringa não foi suficiente para trazê-la ao Brasil. Mas basta a HBO anunciar que vai criar uma série de altíssimo orçamento para adaptar os livros de Martin que uma editora topa publicar a obra do estadunidense.
Tá certo que não foi algo tão simples assim. Como o próprio Raphael Draccon relata, foi mais de um ano de batalha, com conversas entre executivos e negociação com a agente de Martin para trazer a série. Mas de qualquer forma, para mim, fica a impressão de que o argumento de Draccon que realmente convenceu a editora foi a vindoura série da HBO. Mas isso é bom e reconheço o trabalho que o Draccon teve, afinal, alguém tinha que publicar os livros por aqui uma hora.
E eu até poderia dizer que o sucesso de vendas que os livros tiveram aqui no Brasil foi o principal motivador para que a LeYa chegasse a publicar o restante da série em um ritmo alucinado: um novo volume a cada semestre, com exceção do quinto, que saiu quatro meses antes do previsto. Mas ao pensar em outros exemplos, acredito que não se tratou de um ritmo tão fora do comum assim. A bem da verdade, porém, a pressa da LeYa teve suas consequências: não apenas tiveram de fazer um recall do quinto volume ao lançá-lo, como muitos exemplares de outros livros da série vieram com erros graves (como no meu próprio caso: simplesmente oito capítulos do meu A Fúria dos Reis foram substituídos por oito capítulos que pertenciam ao primeiro volume!). Não sei vocês, mas nunca tinha ouvido falar de recall de livros antes.
Mesmo com tamanha afobação, outra editora mais experiente provavelmente teria se saído melhor ao trazer os livros de Martin, cometendo menos erros grotescos e sem necessidades de recall. Afinal, trabalhar com uma série de tamanho sucesso é uma grande responsabilidade, e a pressão do público por um trabalho bem feito acaba sendo maior. Faltou à LeYa mais preparação, alguém para avisá-los do tamanho da tarefa que estavam assumindo. Faltou alguém pra lhes dizer “brace yourselves“.
Atualização (02/11/2012)
O Raphael Draccon esteve no OmeleTV, o programa semanal do site Omelete no YouTube, e deu uma entrevista na qual ele conta, entre outras coisas, mais detalhes sobre as negociações para trazer As Crônicas de Gelo e Fogo ao Brasil. Confira o vídeo aqui.
Seu blog é incrível. Você escreve muito bem.
Poxa, muito obrigado! Sinta-se à vontade para voltar sempre!