Histórias do grande “M” amarelo
Confessar que um bom número das histórias do meu primeiro semestre de intercâmbio se passaram em lanchonetes McDonald’s pode soar preocupante para diferentes pessoas. Anticorporativistas me acusariam de ser marionete da propaganda McDonaldiana. Idealistas sobre como deve ser uma estadia no estrangeiro murchariam com a aparente falta de charme aventuresco do lugar. Minha mãe, provavelmente, ficaria angustiada com a perspectiva de que o filho está se alimentando com demasiada frequência de fast food.
Eu mesmo me vi surpreendido com as diferentes memórias que tenho de episódios ocorridos nas lanchonetes do M amarelo gigante. Afinal, são locais padronizados no mundo todo, geralmente com a mesma decoração e cardápios semelhantes. Não se espera nada de diferente de tal antro de comilança não-saudável globalizada. Mas dois lugares nunca são idênticos, principalmente quando estão em países diferentes.
O primeiro episódio curioso aconteceu em um McDonald’s em Istambul. A julgar pela trilha sonora do local, majoritariamente composta de canções de Jennifer Lopez e Nelly, a lanchonete havia sido congelada no ano 2002. Lá estava acompanhado por minha mãe, que viajava comigo por alguns dias para matar a saudade. Fizemos nosso pedido à jovem atendente no balcão do café e esperamos pacientemente enquanto a moça colocava os macarrons (não a pasta, mas aquele docinho que parece um hambúrguer colorido, sabe?) na bandeja.
“Meu filho, essa menina tá te secando”, comenta baixinho minha mãe, divertindo-se com os olhares intermitentes que a menina lançava em minha direção. Faço-me de desentendido. Mas caso houvesse qualquer dúvida quanto à existência do flerte por parte da moça, essa acabou quando ela acrescentou um macarron de morango que não havíamos pedido na bandeja e diz, em inglês carregado de sotaque, à minha progenitora: “Tome, este é por conta da casa”. Ela então me aponta o indicador e completa: “É para ele”.
Novos tempos exigem novas maneiras de se propor aos pais do pretendente, ao que parece.
Atendentes McDonald’s, aliás, com frequência originaram curiosos diálogos, principalmente quando se considera a diferença de idioma entre eles o cliente aqui. Houve um que trabalhava na filial localizada dentro do Museu do Louvre, em Paris, que insistia em falar comigo exclusivamente em inglês, apesar de eu lhe responder o tempo todo em francês, deixando-me confuso sobre qual de nós dois estava se esforçando mais em praticar uma língua estrangeira.
Nada grave. Ao menos foi uma conversa minimamente respeitosa, um pouco diferente de quando estive em um McDonald’s de Madrid, cidade onde revi duas queridas amigas que faziam intercâmbio na Espanha. Lá, a promoção do McLanche Feliz trazia bonecos da série de jogos de videogame do Mario. Logicamente, a juventude brasileira decidiu pedir o kit infantil, apesar dos vinte e poucos anos na cara. Uma de minhas amigas foi primeiro e pediu o cardápio que dava direito aos brinquedos. Fui em seguida:
– Uma promoção de McLanche Feliz, por favor.
– Quantos anos você tem? – reprova-me o atendente em voz baixa enquanto abaixa a cabeça para digitar no computador, provavelmente achando que não entenderia o comentário em espanhol.
– Desculpe?
– Perguntei qual a bebida que o senhor vai desejar, senhor. – dissimula o rapaz.
Poderia até ter ficado levemente chateado com o julgamento do moço, mas meu Luigi em miniatura me olhou nos olhos e disse: “no te preocupes, él no te quiere, pero yo sí. Seamos felizes”. E fomos felizes.
A filial mais curiosa que vi foi a localizada no aeroporto de Barcelona. Ali cheguei, faltando poucos minutos para as 23h, aliviado com o anúncio que dizia se tratar de um McDonald’s 24 horas. Após ser servido, porém, ouvi o atendente dizer aos clientes atrás de mim na fila que não seriam mais servidas as promoções. “Por que estão fechando, se vocês são 24 horas?”, perguntavam frustrados os esfomeados viajantes. Mas vejam bem, não estavam fechando. De acordo com as regras, era só refrigerante e sorvete a partir daquele horário. Foi o primeiro exemplo que vi de um estabelecimento “24 horas, pero no mucho”.
Em seguida, fui me sentar para comer e percebi então uma pilastra na minha frente, toda decorada com ilustrações dos produtos usados para criar os lanches do McDonald’s: ovos, alfaces, frutas e, evidentemente, porquinhos, vaquinhas e peixinhos. Eis que uma irônica frase me chama a atenção, logo abaixo de um desenho mostrando as áreas de corte do porco: “Atenção ao bem-estar animal”. Bom saber que eles não perderam o senso de humor, mesmo deixando de usar o palhaço mascote, Ronald.
Este texto, evidentemente, não é um oferecimento da rede McDonald’s. Antes recebesse eu qualquer quantia por parte deles para relatar essas histórias. Por enquanto, continuo satisfeito caso cada filial espalhada por aí traga um novo episódio para contar, wi-fi grátis e uma tomada para recarregar o celular durante a viagem, obrigado.