Formação de quadrilha

On 18 de novembro de 2013 by Max Valarezo
Arte: Milena Sampaio

Arte: Milena Sampaio

 

O texto a seguir é uma crônica que escrevi em junho para o Campus, jornal-laboratório feito pelo pessoal do sexto semestre de jornalismo na minha faculdade. Publicar agora aqui pode parecer um atraso, já que ele saiu há meses, mas acho que tá valendo. Sem contar que tem a ilustração feita pela querida amiga Milena Sampaio especialmente pro texto!

 

Esqueça experiências antropológicas ou jornalísticas ao estilo “homem passa um ano sem internet/celular/ler/ir ao cinema”. A privação pela qual passei e aqui relato é de outra natureza. A vida inteira, eu repetia a rotina anualmente e não pensava de forma apropriada que tipo de impacto aquela ação tinha sobre mim. Fato é que, em um determinado ano, passou o mês de junho e percebi algo: pela primeira vez na vida, não havia posto um pé sequer em uma festa junina.

A surpresa foi me pegar pensando: “caramba, triste isso”. Mas, raios, por que você acha isso triste, rapaz? Logo você, quem sempre teve uma relação conturbada com as festividades de junho? Não se esqueça, meu caro. Você é aquele menino de quatro anos que precisava ser subornado pelo pai com chocolate Baton para dançar na quadrilha só para deixar mamãe feliz. O mesmo menino que se fez de doente na quarta série só para faltar o ensaio mais importante do baile daquele ano e ter uma desculpa para não participar.

Lembre-se da satisfação que foi passar para a quinta série e não ser mais obrigado a partilhar dos infindáveis anarriês, dos “alô galera e bate a mão e bate o pé”. Nunca mais terei problemas em festas juninas, você deve ter pensado. Mas como bem disse o poeta popular no verso eternizado nessa época do ano: “é mentiiiiiiiiiiiira”! Pode dar meia volta, garoto.

Afinal, algo de mau você deve ter feito a São João. Só assim para entender por que ele resolveu pôr sua primeira namorada para terminar a relação com você bem ao lado da barraca de canjica na festa da escola em vez de o fazer em qualquer outro dia de junho. A ira do santo também seria uma boa explicação para o fato de o colégio sempre ter contratado aquela insossa luta de cotonetes em vez de disponibilizar um touro mecânico (internacionalmente reconhecido como a melhor brincadeira do mundo para se contratar em festas juninas).

Uma vez no ensino médio, porém, as coisas mudaram um pouco. Você ainda não gosta de quadrilhas, mas, por alguma razão, seus colegas, em uma espécie de regressão à saudosa infância, fazem questão de organizar “o arraiá do terceirão”. E você aceita só porque sabe que aquela bela morena dos olhos verdes da outra sala aceitaria ser seu par. Só quero ver ela resistir quando os dois estiverem na festa e você, em toda a elegância e poesia do seu chapéu de palha e camisa xadrez, chegar ao ouvido dela e, docemente, dizer-lhe: “dança mais eu”.

Mas aí você termina o colégio e passa um ano sem ir em festa junina. E se sente mais vazio do que daquela vez quando você descobriu que a menina linda na barraca do beijo (um dos comércios mais enganosos da face da Terra) só te daria uma bitoca na bochecha e nada mais. Onde foi parar aquele vento frio batendo nos casacos enquanto se anda próximo a uma fogueira, o braço entrelaçado com os de uma moça? Onde está o correio elegante, cujo charme jamais será equiparado pelos inúmeros Spotteds proliferados pelo Facebook hoje? Mais importante: onde estão aquelas quantidades absurdas de comida?

Você nota que ir a festas juninas teve importante papel na sua formação como sujeito e até (por que não?) como cidadão. Afinal, lá estão, em um microcosmos festivo, alguns paralelos da vida real. Os casórios encenados começam e acabam com a mesma velocidade dos matrimônios de gente grande. A rifa para ganhar a televisão é a Mega Sena na qual você vai apostar a vida inteira só para ver outras pessoas levando o prêmio. E, para piorar, tem-se lá um sistema carcerário operando de maneira bastante questionável.

Pois bem, não faz mal se passei por alguns apertos nas festividades de junho. De certa forma, devo um pouco de mim a elas. Este ano, arraiás não passarão impunes em meu calendário. São João que lide com isso.

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