Falta magia nas estantes brasileiras?

On 31 de outubro de 2012 by Max Valarezo

No último post, reclamei das condições de publicação de As Crônicas de Gelo e Fogo aqui no Brasil. Um dos questionamentos que fiz no texto era justamente o fato de os livros terem sido trazidos para cá muito por conta da adaptação que a HBO fez da saga de George R. R. Martin. E não pude deixar de ficar perturbado com a ideia de que podemos estar “perdendo” outras obras de literatura fantástica tão renomadas lá fora quanto As Crônicas de Gelo e Fogo. E por quê? Por conta da falta de um blockbuster de adaptação que irá gerar rios de dinheiro? Os livros de Martin começaram a ser publicados há 16 anos nos EUA! O que mais estaríamos perdendo?

Bom, pesquisando um pouco melhor, dá pra ver que a situação não é tão simples assim. Será mesmo que uma série de literatura fantástica de enorme êxito na gringa conseguiria sempre reproduzir o sucesso aqui no Brasil, mesmo sem uma adaptação para o cinema ou para a TV? As editoras não trazem essas obras porque não vendem tão bem sem a ajuda cinematográfica? Ou será que um bom trabalho de marketing é suficiente pra fazer esses livros serem vendidos?

Nunca fui entendedor de mercado editorial, e por isso mesmo venho mostrar o que andei pensando, justamente pra poder aprofundar um pouco mais o debate do último post.

“The Wheel of Time”

Duas décadas de espera

Pra ver se eu conseguiria algum esclarecimento sobre o assunto, explorei os terrenos da internet e da minha memória pra responder minha primeira pergunta: quais outras obras de literatura fantástica têm grande renome lá fora e nunca vieram pra cá? De cabeça eu já tinha uma referência: a série The Wheel of Time, de Robert Jordan. Com o primeiro volume tendo sido publicado em 1990, a saga ainda não foi concluída, uma vez que o 14º e último volume sai em janeiro do ano que vem (escrito por Brandon Sanderson, já que Jordan morreu em 2007 antes de poder concluir a série) . Trata-se de uma obra de grande sucesso, com uma extensa legião de fãs e que logo fez surgir uma onda de livros imitando sua fórmula.

A saga aparece facilmente nas listas de livros mais importantes da literatura fantástica e, até agora, não foi adaptada para as telas (uma das últimas notícias que li sobre o assunto dizia que um dos roteiristas de Velozes e Furiosos foi contratado em 2009 para escrever o roteiro de um primeiro longa). Portanto, já são 22 anos de prestígio e cadê de trazerem para cá?

Curiosamente, outra saga fundamental para o gênero levou também 20 anos para aportar em terras brasileiras: O Senhor dos Anéis. Com os três volumes publicados na Inglaterra nos anos de 1954 e 1955, as desventuras de Frodo e cia. só vieram ao Brasil pela primeira vez em 1974, pela editora Artenova, estranhamente dividias em seis (!) volumes: A Terra Mágica, O Povo do Anel, As Duas Torres, A Volta do Anel, O Cerco de Gondor e o Retorno do Rei. Depois disso, os livros só voltariam a ganhar uma nova edição por aqui em 1994, pela Martins Fontes (mais uma vez, 20 anos depois).

Portanto, não é de hoje que existe essa extensa espera entre a publicação lá fora e aqui de uma grande série de fantasia, afinal, o mesmo já ocorreu com a maior obra do gênero. E note que O Senhor dos Anéis veio ao Brasil muito antes de a adaptação de Peter Jackson para o cinema começar a tomar forma.

Ainda dá pra apontar outros exemplos de obras de fantasia aclamadas lá e praticamente desconhecidas aqui, como a série The Malazan Book of The Fallen, de Steven Erikson, com dez livros publicados entre 1999 e 2011; ou então os livros de Earthsea, de Ursula K. Le Guin, iniciados por A Wizard of Earthsea, vencedor de prêmios importantes, como o Lewis Carrol Shelf Award.

O problema é que eu me enganei ao dizer que essas obras ainda não chegaram às estantes brasileiras.

Conhece “A Terra Mágica”, o primeiro volume da hexalogia “O Senhor dos Anéis”?

Obras não tão desconhecidas

Eis que lhes apresento O Mago de TerramarO Olho do MundoA Grande CaçadaRespectivamente: o primeiro volume do ciclo Earthsea; o primeiro e o segundo volume da série The Wheel of Time. Justamente duas das sagas que citei logo acima.

Pois é, pesquisando melhor os recantos da internet, acaba se descobrindo coisas incríveis. Eu, que estava certo de que essas séries não foram traduzidas para o nosso idioma, vi que não era bem assim. Aparentemente, no caso da série Earthsea, ainda foram publicados outros dois volumes, tudo pela Editora Brasiliense (que já não estão à venda nos principais sites de livrarias, apenas em sebos). Já a saga The Wheel of Time, por enquanto, só teve seus dois primeiros livros trazidos para cá, em 2009 e 2010, pela pequena editora Caladwin. Aliás, curioso notar que todo o catálogo de ficção da Caladwin é apenas composto por justamente esses dois volumes da série de Robert Jordan.

Isso quer dizer que temos sim gente aqui no Brasil interessada em trazer essas obras renomadas da literatura fantástica. Mas esses exemplos de Earthsea e The Wheel of Time acabam mostrando que nem sempre a empreitada dá certo. A série de Ursula K. Le Guin é difícil de encontrar e não obteve estrondoso sucesso, assim como os livros de Robert Jordan. O problema é que esses casos demonstram que editoras grandes podem ter fundamento ao sentirem receio de publicar tais séries. A Brasiliense e a Caladwin o fizeram e deu nisso. Considerando que a Caldwin mantivesse o ritmo de trabalho, a essa altura eles já poderiam ter publicado até o terceiro volume de The Wheel of Time, mas imagino que as vendas dos dois primeiros livros os tenham desencorajado.

E ainda entram outros questionamentos aí. Será que as séries não venderam por conta do conteúdo? Ou será que foi pela qualidade (ou falta dela) no trabalho das editoras? Teria sido ainda apenas um problema de falta de publicidade? Será que se estreassem adaptações de grande orçamento dessas sagas ano que vem, essas edições finalmente alcançariam sucesso?

Como disse antes, nunca fui entendedor de mercado editorial, mas uma coisa é clara. Como o próprio nome diz, trata-se de um mercado, são negócios com grandes quantidades de dinheiro, direitos autorais e processos burocráticos envolvidos. Nada é tão simples, não se trata apenas de ver que uma série tem grande renome lá fora e trazer para cá. Muitas vezes, as editoras têm medo de publicar essas obras, tenham elas suas razões para tanto ou não.

Certamente, há fãs ardorosos desses e de outros trabalhos que gostariam de ver tais livros serem publicados por aqui. Infelizmente, não é algo que se consiga resolver facilmente, com um passo de mágica.

 

Fontes: 

http://www.valinor.com.br/8204/

http://bestfantasybooks.com/top25-fantasy-books.php

http://io9.com/5876715/10-great-fantasy-series-to-read-while-youre-waiting-for-george-rr-martins-next-book

http://www.fantasybookreview.co.uk/fantasy-sub-genres/epic-fantasy.php

4 Responses to “Falta magia nas estantes brasileiras?”

  • x

    Acho que essa situação deve-se a um conjunto de fatores: falta de publicidade, falta de associação à grandes franquias televisivas ou emissoras e, principalmente, o desinteresse do brasileiro pela leitura. Não estou generalizando; é fato que livros não fazem sucesso no país, infelizmente. A média, em 2011, foi de 4,1 livros por pessoa.

    • Max Valarezo

      Sim, com certeza. Como o mercado editorial não é algo simples, faz sentido que esse tipo de situação ocorra devido a mais de um fator, como muitas coisas na vida. Isso incluí não apenas quem produz, mas também que compra.

  • Joao Diniz

    Não seria bom lembrar também que a tradição da nossa literatura maior é, por excelência, de realismo e no máximo realismo mágico? Machado, Suassuna, Amado…

    • Max Valarezo

      Mas aí é mais questão da produção nacional do que mais propriamente o que é trazido lá de fora pra cá. Discutir a publicação de obras nacionais de literatura fantástica é outra história (bem enrolada também, a propósito). Se bem que a tradição predominante de estilo produzido por aqui sem dúvida influencia muito nas escolhas do que vai ser traduzido para nós, você tem razão.

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