Post Bônus de Halloween: Os mortos andavam

On 1 de novembro de 2012 by Max Valarezo

 

 

Os mortos andavam.

Os passos morosos, os tornozelos torcidos e o ritmo descompassado, é verdade. Mas, ainda assim, andavam. Não eram mais do que vinte, perambulando o parque deserto naquela tarde de quinta-feira quase tão sem vida quanto eles. Nacos de pele azulada pendiam de diferentes partes do corpo, deixando-se balançar como os maxilares soltos. Os rostos eram repletos de feridas, mas os olhos totalmente esbranquiçados não traduziam dor.

E assim seguia a marcha defunta. Até que se fez ouvir o som de galhos se quebrando com força e, então, da copa de um pé de manga, caiu um rapaz que não parecia ter mais do que 19 anos, de cabelos negros em caracóis e porte físico pouco intimidador. Levantou-se perplexo e de boca aberta, de frente aos mortos. Ficou então sério, como quem começa a se concentrar em uma nova tarefa, e retirou de trás das costas um aparato de defesa que aparentava ser algo como um martelo. Deu um urro e saiu correndo em direção à horda de finados.

Pouco antes que o rapaz pudesse alcançar qualquer um dos mortos, um deles subitamente se adiantou dois passos, esticou as mãos espalmadas, pôs-se ereto em frente ao garoto e disse:

– Mas que porra é essa?!

O jovem ficou parado, sem saber o que dizer.

– Você vê uma horda de zumbis num parque gigantesco como esse e sai correndo em direção a ele? Chama isso de sobrevivência? – continuou o morto.

– Você…fala.

– Olha, eu e meus colegas aqui temos nos divertido bastante nas ultimas semanas. Sabe como é, andar por aí rasgando a carne da galera com os dentes, etc. Mas faz semanas que não encontramos um vivo sequer. E aí aparece você, o último humano da cidade!

– Espera, aquele não é o Boris Casoy? – interrompeu o jovem, apontando pra um dos defuntos do grupo.

– Oi? Ah, pois é. Foi logo na primeira semana. Um grupo de garis viu ele na rua e jogou o cara pra gente. Ele tem sido bem legal até agora.

– Não tô entendendo mais nada. Quero dizer, vocês estão falando, pra início de conversa. Cadê aquela história de ficar só soltando gemidos macabros?

– Desculpa desapontar. Mas não muda de assunto. Olha, você não pode simplesmente vir correndo na nossa direção. Porque assim a refeição não vai ter graça. Qual é! Tem que ter um pouco de emoção, você tá facilitando demais! Vamos ver o que você tem aí com você. Que arma você pegou pra atacar a gente?

– É um Nokia 3310, daqueles antigos, amarrado na ponta de um bastão.

Por um minuto, o morto encarou o rapaz, incrédulo.

– Um celular. Num bastão. Por que você faria uma idiotice dessas?

– Ué, todo mundo na internet vive dizendo que o Nokia 3310 é indestrutível! Uma verdadeira arma letal.

– Sim. E também tem gente na internet dizendo que cachorros não conseguem olhar pra cima. Pelo amor de Deus! Qual é o seu problema?!

– Olha, você tá tornando tudo muito mais chato, beleza? Não era por esse tipo de apocalipse zumbi que eu tava esperando.

– Você tava esperando por um apocalipse zumbi? Você literalmente queria que o mundo entrasse em colapso, com pessoas sendo devoradas por mortos-vivos?

– Sempre pareceu muito maneiro na internet – se defendeu o rapaz.

– Pois é, e olha só como você teria se saído bem. Correndo pra abraçar um monte de zumbis com um celular como arma. Palmas pra internet.

– Falar é fácil! Não é você quem tem que lutar pra sobreviver.

– Qual é, já vi filmes de zumbi suficientes na vida pra saber o que fazer. Por exemplo, você já começou mal por se esconder numa árvore no parque. O que os filmes ensinam, moleque?

– É que eu nunca vi muitos filmes de zumbi…

– O quê?! O que você assistia?

– Aqueles filmes com a Gretchen.

– Isso é uma vergooonha… – ouviu-se um dos zumbis comentar.

– Boris, agora não, por favor – respondeu o líder dos defuntos – Moleque, você só pode estar de brincadeira. Um refúgio! Isso é básico! Você precisa arranjar um lugar pra se esconder, onde possa ter suprimentos e sobreviver o máximo que puder.

– Ah, sim.

– Como foi que você conseguiu ser o último humano vivo? Você deve ter uma puta duma sorte, isso sim. Olha, vamos fazer o seguinte. Eu e meus amigos vamos nos encostar nessas árvores aqui e contar até 86400, beleza? Assim a gente te dá tempo de achar uma fortaleza de resistência decente, pode ser?

– Ok, beleza.

O rapaz sumiu em segundos, enquanto os mortos encostavam as testas nos troncos das árvores.

E os mortos contavam. As vozes roucas, as bocas secas e o ritmo lento, é verdade. Mas, ainda assim, contavam.

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