Primavera: Season Premiere

On 21 de Março de 2014 by Max Valarezo

Crédito: LeProgrès.fr

 

“E hoje é o equinócio!”, disse, durante o almoço, uma brasileira que conheci recentemente aqui na residência onde moro no intercâmbio.

“Ah é? Nossa…muito bacana…não sabia”, respondi, tentando não deixar transparecer que fui um aluno relapso durante a aula de geografia em que se ensinou o conceito de equinócio. Foi aquele caso clássico: você já ouviu certa palavra com regularidade, mas percebe não conhecer o significado dela e então promete aprendê-lo um dia (sem nunca realmente conferir). Para muitos, é assim com a taxa Selic, com o BitCoin ou com o tal do twerking. “Equinócio” estava na minha lista, mas, ainda assim, fiz cara de quem sabia exatamente do que minha colega de refeição falava.

“Pois é!”, continuou ela. “Tem o solstício de verão, quando o dia dura mais do que a noite; tem o de inverno, quando a noite é mais longa que o dia; e tem o equinócio, que é quando os dois têm a mesma duração. Isso é hoje e marca o começo da primavera aqui”. Pude então obter duas conclusões: 1) não sei disfarçar bem minha estupidez, aparentemente, vide a explicação dada apesar dos meus esforços em parecer letrado nos termos geográficos; 2) agora era oficial, foi-se embora o inverno e seu cinzento reinado.

Chame-me de dramático por caracterizar a estação dessa forma, mas a verdade é que não fazia ideia de como realmente seria passar por esses três meses de privação do calor. Não me faltavam razões para temer o período. Afinal, soavam pela internet alardes semiapocalípticos de cientistas ao afirmarem que a Europa teria o inverno mais rigoroso dos últimos cem anos.

E o que se seguiu? Em Lyon, nevou só em um dia. E apenas nas regiões mais elevadas da cidade (onde, coincidentemente, moro). Não que a falta de neve tenha significado um inverno totalmente tranquilo. Tive minhas incidências de juntas doloridas e recorrentes episódios de “perdi oficialmente qualquer sensibilidade tátil nas mãos”. Mas quero deixar bem claro: o frio em si não era o mais incômodo. Pois ele era um fator já esperado. O verdadeiro estranhamento veio das consequências diversas e, às vezes, adversas no cotidiano.

Desenvolvi novos hábitos. Pouco a pouco, por exemplo, me vi consultando o celular logo quando acordava pela manhã; não para conferir redes sociais, mas para ver a temperatura e definir se seria necessário usar uma ceroula (outro termo que estava naquela lista minha, logo abaixo de “equinócio”).

Mas o maior impacto foi perceber como o clima me influencia o estado de espírito. O primeiro absurdo foi constatar, um dia, que o sol passara a se por às 17h30 em um evidente acesso de loucura. Nunca antes um fenômeno natural cotidiano me pareceu tanto uma desfeita direta à minha pessoa. Lá estava o inverno me obrigando a aceitar que o dia havia acabado com 30 minutos de antecedência. Descobri então que, se há, no ciclo solar, um ato equivalente a mostrar o dedo do meio, é o anoitecer antes das 18h00.

Em seguida, foram os incontáveis dias cinzentos cheios de nuvens. Esses podem não ser intrinsecamente tristes, mas, assim que o sol, em novo gesto de ousadia estrelar, saía por alguns minutos, era inevitável sentir uma pontada de felicidade. Mas os raios luminosos voltavam a se esconder em timidez e, a partir daí, o inverno ganhava ares ainda mais melancólicos.

Certos dias pareciam mais difíceis ainda. Ficar completamente sozinho no quarto enquanto os céus exibiam sua faceta mais nefasta e grisalha poderia ser uma atividade entristecedora. Diversas vezes, em momentos assim, a mente divagava e, por alguma razão, lembrava da canção de Roberto Carlos, em que ele apenas implorava para ser aquecido no inverno. E talvez minha imaginação evoluísse ainda mais e me fizesse pensar como seria permanecer deitadinho com o rei, ambos mandando nossa solidão sazonal para as terras de Belzebu, dividindo um pedaço de carne Friboi.

Desculpe, fui longe demais na digressão. Todo mundo sabe que Roberto Carlos é vegetariano.

Fato é que a primavera começou a se anunciar nas últimas semanas e ficou visível que os humores gerais na terra francesa melhoraram também. Agora tínhamos sol ininterrupto, poucas nuvens e todo o belo florear na relva. Na faculdade, a juventude se deitava por aí para um bronzeado entre as aulas. Ao lado da vendinha árabe aqui perto da residência, vi crianças escalando um muro de uma igreja abandonada e tomando refrigerante lá no topo, naquilo que deve ter sido o mais próximo de rebeldia civil cotidiana que presenciei até hoje aqui na França.

Muito me satisfaz essa minha nova forma de enxergar as estações do ano, sinto como se fosse uma verdadeira evolução. Oras, ontem eu precisava lembrar das propagandas de roupa na TV para saber a ordem certa delas (“primavera-verão C&A” ou “Hering outono-inverno”). Hoje, vejam só, tô aí esbanjando conhecimento, sei até o significado de solstício de verão.

2 Responses to “Primavera: Season Premiere”

  • Max querido,
    lendo esse texto (muito bom, por sinal) me recordei da tua pessoa doce e sensível. Senti saudade. Espero que esteja tudo certo por aí! Você merece muitas alegrias.

    Beijo grande

    Flora

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